domingo, 17 de maio de 2009

ELA

Está aí mais um dia das mães e eu já na a tenho. Pela braveza dela não sei se virou estrela, se não virou nada, se habita outros mundos e evolui por lá. Só sei que ouvi que “saudade é o amor que fica”. Belíssimo.

Mas pé no chão mesmo, não tem mais nhoque, arroz doce, sagú de vinho, aquela carne de panela que só ela sabia fazer. E o feijão então? Até salada de chuchu na mão dela criava gosto.

Dificuldades de conviver? Muitas, todas, mas esse “não ti esqueço” agarra no meu pé e não tem porto, não tem porta e muitas vezes não sei pra onde voltar.

Ela era meu bem e meu mal. Uma visionária que sabia que só o estudo acadêmico era a grande herança que podia me deixar. E não poupou esforços.
Mas era tirana no seu amor implícito. Não dizia – “vá com Deus” (só pensava), e como é que eu ia saber? Não me beijava, nem me chamava de minha filha, mas me amava. Era dura como pedra, mãe sem melação, que eu ainda aprendo a viver sem, mas eu burilei esse carinho nunca declarado.

Às vezes agarro meu filho de 19 anos e aperto e beijo e ele se esquiva, afinal ele é um homem! A menina é uma princesa e me pergunto – eu é que fiz isso?

Meus filhos são a minha melhor parte.

Domingo levo pra ela aquelas flores que odeio e deixo lá pro sol queimar e meu coração volta em cinzas.

O que não tem remédio remediado está. Mas o que faço? – e o nhoque, o sagú, a carne de panela, e o feijão então?

Reinvento a vida sem ela. Ela está em mim.


Rose Selaro – 9.5.09

quarta-feira, 6 de maio de 2009

INFARTO MENTAL

INFARTO MENTAL


O infarto se caracteriza pela morte de parte do músculo do coração. A parte que continua viva tem que trabalhar mais para compensar aquela que morreu, para que continuemos vivos.

Assim é nossa vida. Quantos infartos mentais já sofremos e não nos demos conta. Ou não tomamos nenhuma providência?

Quando se aceita aquele trabalho aterrador que nos fere até o fundo d’alma e lá passamos anos, fazendo o que não queremos e não gostamos. Um dia vem a aposentadoria e sofremos muitos pequenos infartos mentais, sem nunca ter tido a coragem de virar o jogo, mandar tudo para o alto e gritar - “ não quero mais isto para mim.”

Assim é o convívio com pessoas das quais não gostamos, com situações que não temos coragem de mudar. Como aquele casamento que nunca deu certo e que a gente sempre dá a mesma desculpa. “Não me separo por causa dos filhos.” - Nada - Filhos não são burros e percebem que os pais não são felizes juntos. Um belo dia percebemos que nossa juventude foi pelo ralo e a gente se deixou levar, por mais um dia, por mais uma covardia. .

Aquele “cara” chato, que permeia nossa vida e para quem nunca tivemos a coragem de dizer: “Olha, não dá, a gente não bate. Na boa, chega!” Mais um pequeno infarto, e o coração está por um triz.

E a mente vai morrendo, aos poucos, sistematicamente, com a nossa conivência.

São tantos, tantos infartos mentais que em determinada altura a gente percebe que resta pouco. Que perdeu muito tempo quando não viajou, não dançou, não viveu, para não contrariar o parceiro. Aí a gente entende que viveu a vida do outro.

Outro dia me peguei comendo polenta. Num átimo me dei conta de que acho essa comida abominável, mas não me dei conta de que até a polenta me provocou vários pequenos infartos mentais sempre que ela fez parte do meu cardápio.

Solução: Colocar-se. Principalmente quando já se vive talvez o último quarto de vida. Falar e fazer o que nos dá prazer. Ou ao menos não fazer o que nos causa desprazer. Aprender a revidar na hora certa, sem viver com cara de ah! é é - e dizer NÃO. Como é difícil aprender a dizer não!

Vai chegar a hora do grande infarto e chorarão algumas lágrimas - mas o mundo não para.

A flor de lótus é maravilhosa e nasce no lodo fétido.

Nossa fétida mente precisa começar a produzir lindas flores de lótus, belas e perfumadas. Nós merecemos tudo, merecemos ser uma flor de lótus. Agora se a gente resolve ser lodo a vida toda ... A escolha é de cada um. E haja infarto mental até que tudo se acabe.


6.5.09 – Rose Selaro