domingo, 31 de julho de 2011

O homem cuja orelha cresceu

Trabalho do aluno Eduardo Guimarães Lisboa, vestibulando de Medicina.



O primeiro parágrafo do texto que segue é de Ignácio de Loyola Brandão e a proposta de narração é a seguinte:

Elabore um texto narrativo imaginando os possíveis desfechos da situação apresentada no texto a seguir.

A narrativa apresenta um conteúdo inusitado e você não deve adaptá-lo aos padrões da realidade. Portanto, não conclua seu texto dizendo que tudo não passou de um sonho.

Não se esqueça de que você deve dar continuidade à história; por isso, narre em terceira pessoa, contando as situações porque passou a personagem do texto.


Parabéns Eduardo. Sua narração está muito interessante. Estamos na reta final em busca do seu objetivo. A Faculdade de Medicina para 2012. E eu quero estar com você para comemorar sua vitória.

Grande beijo
Rosy Selaro
Curso de Redação “Escrever é Pensar”
31.7.2011

19h

O homem cuja orelha cresceu

Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite, estava fazendo hora extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns 10 centímetros. Eram moles, como de cachorro. Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou. As gavetas das moças estavam fechadas. O armário do material também. O melhor era correr para a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar na rua.

Ficou imaginando de que maneira passaria pelo guarda da portaria sem que ele notasse suas orelhas gigantes. Correu para o banheiro. Precisava pensar.
Ao chegar lá sentou-se de maneira que seus joelhos ficassem próximos do peito. Apoiou seus cotovelos neles e começou a chorar. Pensava no que teria feito para merecer tamanho castigo. Lembrou-se de um professor que dizia: “Nos momentos difíceis devemos nos lembrar de Deus, mesmo sem nunca termos acreditado nele.”




Desde adolescente não acreditava no Todo Poderoso. Decidiu se levantar e encarar o problema como um homem. Deixar Deus de fora dessa situação. Encarou o espelho. Viu a imagem de um homem triste, submisso, derrotado pela vida e, para piorar, com orelhas gigantes e molengas, que já chegavam aos seus pés. Escolheu a maneira mais simples de passar pelo guarda: Correu sem olhar para trás.

Correndo e tropeçando nas orelhas, já chegando na pensão ouviu um grito que logo foi abafado. Parou. Achou essa situação estranha. Resolveu andar na direção do grito. Por um instante esqueceu as orelhas. Caminhou rua abaixo até perto de um beco. Ouviu um choro baixo e deu uma espiada. Era uma garota de aproximadamente 18 anos. Estava sendo atacada por um homem. Por instinto correu na direção dos dois. Empurrou o homem que abusava da moça com toda sua força e conseguiu derrubá-lo. O homem, enfurecido, se levantou, mas no instante em que viu aquelas orelhas enormes fugiu.

A princípio a garota ficou assustada com a aparência do nosso herói, mas a felicidade era tanta que o abraçou. Nesse momento ela tocou suas orelhas e ele sentiu vergonha. Soltou a garota que já estava em segurança e continuou a correr. Chegou na pensão e só então percebeu que nessa segunda corrida não havia tropeçado em suas orelhas.

Olhou para baixo e notou que elas haviam diminuído. Estavam na altura da coxa. Era um milagre. Não, não podia ser milagre. Deus estava fora da jogada desde o inicio. Começou a refletir, tentando descobrir o que havia feito para que suas orelhas diminuíssem.

Começou a refazer sua rotina. Lembrou que havia acordado cedo. Estava mal humorado por ter que ir trabalhar. Odiava seu emprego, queria ter sido jornalista. Chegou mais cedo no trabalho. Mesmo assim o chefe já reclamava dele. Teve vontade de jogar tudo para o alto e se demitir. Não teve coragem. No almoço foi ao mesmo restaurante de sempre. Era apaixonado pela garçonete. Nunca tinha falado para ela. Era muito tímido. Decidiu que naquele dia falaria. Foi embora sem falar nada. O dia passou e ele ficou até tarde no escritório. Não gostava da solidão da pensão.

Repassou o dia inúmeras vezes, até que percebeu a ligação. Instintos. Ele pouco seguia seus instintos. Suas orelhas representavam sua passividade para com a vida. A diminuição do tamanho delas quando salvou a garota reforçava essa tese. Queria comprovar sua tese. Não podia, eram duas da manhã. Teria que esperar o amanhecer para se demitir do emprego, falar com a garçonete e se inscrever no Curso de Jornalismo para que suas orelhas voltassem ao tamanho normal. Foi se deitar feliz. Sua vida agora seria comandada por ele. Graças as suas orelhas.