terça-feira, 27 de agosto de 2013

ENCILHA-ME


Quando me desvencilho de ti viajo na nau dos sensatos. Amanhece quando é dia. Anoitece quando é noite. Sou corpo. Vagueio pelas esquinas concretas e num torpor recolho meus sonhos de novo. Encilho-me em ti. Sou nua e dona do meu querer. Se quiseres, encilha-te a mim, feito cacho de uvas doces. Uvas que se desvencilham no estalo de um beijo. Vitória das almas. Banquete dos amantes.
**Rosely Maria Selaro**
26/8/2013

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

LOUCOS

Loucos!
Não se esqueça de ouvir os loucos!
Aqueles que te olham no fundo do olho
E dizem e desdizem. Acusam até
E sempre pedem perdão.
Têm os olhos rasos d’água porque saboreiam a lua
E vão a pé mesmo, contemplando a rua.
A verdade está neles, naqueles que buscam prazeres
Postergam seus afazeres, porque eles sempre estão lá
E as loucuras não! A gargalhada. Mentir que não é cristão
Escorregar num samba canção e desfazer-se num fado.
Os loucos são os sãos! Nunca têm certezas
São peritos em dúvidas, mudam toda hora de opinião.
Adoro os loucos. Que não dormem, nem consomem
Que não olham pra si. Tampouco pro mundo
E são a cada dia. E levam a vida na anarquia
Amam a contravenção. Não vão de trem.
Ficam só na Estação.
Não precisam do infinito, lhes basta o desvão.
Misturam doce com salgado e passam no pão
Não querem saber o significado de
Coerência e coesão! Loucos. Abalados. Transtornados!
Donos. Assim. Estão sempre de pés no chão.
A morte não carece sapatos. E pra viver
Jamais pedem permissão.
Maravilhosos loucos!
**Rosely Maria Selaro**

JANELAS



Quem consegue? Como se consegue? Janelas que nos deixam respirar quando as portas batem. Tantas já bateram. E fiquei assim, num ambiente sem ar, sem luz, sem vida. De repente, uma janela se abre e sopra uma brisa, nem sempre de cheiro bom, mas no mínimo capaz de me impulsionar para fora. Para a busca, para o risco. Arriscar. Sim arriscar sempre. Pouco, muito, com alguma certeza ou na dúvida total. Viver, mesmo que sangre muito. Os erros são fatais. As lágrimas uma conseqüência, mas num quarto sem porta e sem janela não é possível escalar montes, descer encostas, encontrar o mar. Não é possível jogar os sapatos fora e sentir as pedras, a terra, a grama, a água. Num quarto sem porta, sempre procuro a janela. É só pular. Lá fora estão os bichos, as dores, o pranto mas estão todos os amores. É preciso, é necessário, é da essência, da natureza do homem buscar o amor. Eu busco. Se tem um preço? Sim. Alto muitas vezes. Mas o resultado do amor nunca é negativo. No mínimo fica no meu corpo o cheiro de um perfume querido. A oportunidade é grande de me envolver num mundo de borboletas, de nuvens, de risos, de olhares, de cumplicidade. De doação, de paixão, de honra, de entrega. A porta fechada é só mais um motivo para eu pular a janela e ir ao Mundo, ir à Vida. Pra isto eu vim. Foi o amor que eu vim buscar.
**Rosely Maria Selaro**

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MULHER LINEAR


Tu careces de uma mulher linear. Dessas que lavam o chão e não deixam ninguém pisar. Dessas de raso coração. Uma mulher que tu possas manusear. Uma jovem mulher. Casadoira. Talvez ruiva. Talvez loira. Não tão bonita – para não te sombrear. Tu careces uma mulher que não faça versos. Que não seja poeta. Tu precisas de uma mulher que reze. Ajoelhe é reze para ti dez pais-nossos e vinte ave-marias. Mulher de família grande. Cheia de folia. Tu não suportas uma mulher de entranhas. Uma mulher muito estranha. Ama num dia. Noutro deixa de amar. Mas volta logo, correndo a te buscar. As mulheres poetas deixam a alma vicejar. São meio santas. Um tanto loucas. Isto é um peso. Tu não o podes carregar. Olha: De coração, eu desejo: Fica com tua mulher. Qualquer uma que te deixe brilhar. Eu estarei pendurada na lua a te olhar. Se estou triste? Sim. Poetas são tristes. São alegres. Um redemoinho. Desmascaram a alma e não vais suportar. Carregas o que podes – e a parte que suportas é só, apenas e tão somente, tua mulher linear.

LUZ

Apaga a luz
Não quero te ver
Deixa escurecer na m’alma
Não quero sol
Não quero céu
Nem quero água
Apaga a luz
Deixa eu te pensar para trás
Quando eras rei
Eu era rainha
Apaga a luz
No escuro abraço teu cheiro
Saboreio teu tempero
Vivo de nevoeiro!

14/8/13

domingo, 11 de agosto de 2013

SALVADOR SELLARO

SALVADOR SELLARO

Não ia falar de Meu Pai hoje. Não ia. Mas me veio à mente uma situação que vivi em Cajobi - Terra de minha mãe, que ele adotou e que denominava " reino encantado" . Na Casa grande e arejada de Cajobi havia um pomar e em fevereiro quando era época de pinha eu sempre estava lá. Eu adoro pinha e sempre tinha muita. E eu me deliciava! Por algum motivo fui antes das pinhas madurarem. Os pés estavam carregadinhos e eu passava horas a contemplá-los com Meu Pai aos meus ouvidos: "Zely, esta não tarda a madurar. Está de vez. Olha esta outra filha. Você não vai embora, vai? "Vou sim Pai. Este ano vou ficar sem pinha. Preciso voltar." E voltei. De fato, sem me lambuzar nas minhas Pinhas.

Uns dois ou três dias depois, a campainha toca. É o carteiro segurando uma caixinha da papelão. E vinha de Meu Pai. Salvador Sellaro - Rua da Bandeira 460 - Cajobi - São Paulo.

Qual não foi minha surpresa: Na caixinha estavam duas pinhas lindas e maduras olhando para mim e mais um bilhetinho: "Zely, logo que você foi embora eu percebi que os passarinhos se amontoavam num dos pés toda manhã e à tardinha. Deu para salvar estas duas que eles não bicaram. Beijos filha."

Eu não sei o que fiz primeiro: Chorei ou comi as pinhas.

Este é Meu Pai - Salvador Sellaro - que mandou pinhas maduras da Casa de Cajobi, para mim, pelo Sedex.

Nada mais a declarar. Ah! Só um recadinho para ele: "Pai, vai cuidando das pinhas aí onde você está. Quando eu te encontrar, que seja tempo de pinha madura, Pai. Eu te amo, eternamente."

Sua filha, Zely (assim que ele sempre me chamava!)

SALVADOR SELLARO

SALVADOR SELLARO

Não ia falar de Meu Pai hoje. Não ia. Mas me veio à mente uma situação que vivi em Cajobi - Terra de minha mãe, que ele adotou e que denominava " reino encantado" . Na Casa grande e arejada de Cajobi havia um pomar e em fevereiro quando era época de pinha eu sempre estava lá. Eu adoro pinha e sempre tinha muita. E eu me deliciava! Por algum motivo fui antes das pinhas madurarem. Os pés estavam carregadinhos e eu passava horas a contemplá-los com Meu Pai aos meus ouvidos: "Zely, esta não tarda a madurar. Está de vez. Olha esta outra filha. Você não vai embora, vai? "Vou sim Pai. Este ano vou ficar sem pinha. Preciso voltar." E voltei. De fato, sem me lambuzar nas minhas Pinhas.

Uns dois ou três dias depois, a campainha toca. É o carteiro segurando uma caixinha da papelão. E vinha de Meu Pai. Salvador Sellaro - Rua da Bandeira 460 - Cajobi - São Paulo.

Qual não foi minha surpresa: Na caixinha estavam duas pinhas lindas e maduras olhando para mim e mais um bilhetinho: "Zely, logo que você foi embora eu percebi que os passarinhos se amontoavam num dos pés toda manhã e à tardinha. Deu para salvar estas duas que eles não bicaram. Beijos filha."

Eu não sei o que fiz primeiro: Chorei ou comi as pinhas.

Este é Meu Pai - Salvador Sellaro - que mandou pinhas maduras da Casa de Cajobi, para mim, pelo Sedex.

Nada mais a declarar. Ah! Só um recadinho para ele: "Pai, vai cuidando das pinhas aí onde você está. Quando eu te encontrar, que seja tempo de pinha madura, Pai. Eu te amo, eternamente."

Sua filha, Zely (assim que ele sempre me chamava!)

SAUDADE

SAUDADE

Saudade de quem me abre os olhos quando o dia nasce e é meu último pensamento quando à noite deixo meu corpo rumo ao infinito. Saudade da tua voz, confusa nas minhas entranhas. Parte de mim. Saudade de tuas mãos, que me pegam, me negam, se escondem e retornam. Saudade da tua boca calada. Silêncio que o Mundo me impõe se te afastas. Saudade de tuas bobagens. Da tua bagagem que nunca devolvi. Saudade do medo do relógio marcar a hora de partir. “O trem da chegada é o mesmo trem da partida”. Estou na Estação – cheia de Saudade – boca seca, sal. Ouço o apito que derruba meu coração. Lanço nela minha espada quando nossos corpos suados, colados, se resgatam. Ela jaz a nossos pés. Agonizante. Mas é imortal!


3.11.12 –

sábado, 10 de agosto de 2013

MARIA

*ROSELY MARIA SELARO*

O cara era certeiro. Tinha pegada. Olhou bem no raso dos olhos de Maria. Admirou profundamente aquele corpo descrente. Num único golpe rasgou-lhe a blusa. Arrancou-lhe a alma. Ajoelhou-se Maria. Puro susto e horror! Suas entranhas eram douradas. Maria sorria. O riso dos libertos, o riso dos amantes. Um líquido brilhante escorria do corpo esquálido de Maria. Quanto demorara! Maria nascia!


ÍNGREME

ÍNGREME

Eu tão menina dei a mão a meu pai
Ele me fez guerreiro e soltou a minha mão
Sai pelo mundo e vi homens ruíns
Que fizeram mães chorar
Vi jovens filhos partir sem sentir
E quanto mais escarpado o terreno
Mais só está a menina de mim
E armada ela luta para ver
Homens maus consumidos no apocalipse de si
E dóceis mães embalando seus filhos a sorrir
Tem medo esta menina de mim
Veio pra guerra, mas quer um pai só pra si
Eu sou guerreira, eu sou menina
Sou mulher reluzente e obscura
E meus pedaços eu junto
Na concha e no convexo
Na palma da minha mão
Subo a montanha mais íngreme
Mas busco o sossego da estalagem
Sei. Vou encontrá-lo.
Somente, dentro de mim.

**Rosely Maria Selaro**
10/8/2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Resedá


Resedá

No fundo de minha casa
Na minha Sampa querida
Tem um tesouro cor de rosa.
Cheio de cachos, tantos todos,
Que a árvores sumiu.
Floresceu por demais  meu Resedá
E um cacho quero te dar.
 Espesso, dengoso, balançando uma beleza marota
Neste domingo chuvoso.
 As florezinhas brincam com os pingos e  se molham neles
Eles se perfumam delas, de um jeito inocente e ao mesmo tempo libidinoso
Pensando bem, um Resedá  cor-de-rosa viajou Eras pelo tempo
Pra vir ser meu contentamento
Não. Pensando  bem
Não vou te dar um  buquê. Nem uma flor sequer.
Resedás  são de todo especiais e não o mereces tanto assim...
Tenho por mim que hás de dizer que ele é um qualquer
 E eu o tomo no meu peito como único morador
Troquei com ele flores por minh’lma
Ramos  por meu Espírito.
É meu o caule, o verde submisso ao poder do rosa e Elas
Flores melindrosas  fazem reverência quando passo
Uma vira-se para mim cheia de garbo e detona a verdade:
Resedás não são flores para se dar.
Fazem da minha janela,  uma visão espetacular
Ah! Como eu queria aqui pra pintá-lo – Renoir!
  
.Rosely Maria Selaro –
13.1.2013 -20h16min


    

Madrugada


É madrugada quando me lembro de ti
Das  tuas mãos pequenas cuja linguagem
É deslizar por meu corpo
 Contornas meus lábios
Com teu dedo imperativo.
És minha. Sim, sou tua nas madrugadas
Quando não me esqueço de ti.
Passaste.  Foste e teu cheiro encarnou
Na madrugada.  Nas vidas passadas
E eu sei.  És perene em  mim.

Rosely Maria Selaro
14.11.12 – 18h41

Envelhecer


Envelhecer

Sabe, de uns tempos para cá. Acho que já faz bastante tempo, eu ando morta de inveja das mulheres que conseguem envelhecer. Usar aqueles bermudões largos e horríveis, aqueles blusões estampados que escondem as gorduras e que passam a se encantar com os netos e com a "participação nas coisas da terceira idade."

Saí à minha mãe. Que não se falasse nesta coisa para ela. Ela excomungava até!

Sou meio como o poema de Adélia Prado que se chama Trégua. Fico absolutamente estridente com um fio de cabelo branco e ai se me dão lugar no metrô! Eu, infelizmente, não sou velha.

Carrego comigo todos os fôgos (assim que eu quero, com acento circunflexo mesmo). O da Política, o das Artes. O fogo da Vida. O fogo das paixões. E vivo num redemoinho. Um corpo que envelheceu sim, mas não a ponto de ser abdicado. Esta paixão pela palavra que me campeia em cada cantinho onde me escondo e que me faz tão viva. A paixão pela paixão. Ah! Como é bom estar apaixonada! E ruim também. A paixão é beleza e feiura, é alegria e sofrimento, é entrega sem bermudão.

Tenho, realmente, muita inveja das mulheres que envelheceram. Mas quando me vejo usando (classicamente) o mesmo jeans, a mesma regata de minha filha de 17 anos perco a esperança. É uma dádiva e um castigo. Não sei bem em que percentual.

Não sei se conseguirei suportar o peso desta juventude tardia que me faz brilhar os olhos e sonhar como uma menina. Acho que me caso ainda de vestido branco com um príncipe. ( rsrsrsrsr) Não, infelizmente, como se fosse um estigma. Morro, mas não fico velha.

Talvez, eu tenha, inconscientemente, escolhido assim.

Rosely Maria Selaro ***

2/2/2013