quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

GOSMA

Era uma tarde assim, amordaçada. E uma criança com voz de tamborete me fazia entender: A vida seguiria, até que um dia – ela, a criança – encontrasse outra com voz de azinhavre a lhe derreter os ouvidos. O pra se fazer era o de regra. E a tarde teimava em chacotear o tempo, como a dizer-lhe: não falei que não suportavas o depois do meio dia? E tinha também a mãe da criança, que tinha filho porque filho é de mando. E como é poderoso mandar. Cala boca, vira pra parede pra pensar. Tomara ela ficasse ali a pensar por cem anos.

A tarde jazia e eu olhava aquele vidro como em todas as tardes desencarnadas. Não, eu vou suportar. Eu vou, eu vou. Olhei o sol, olhei a caneta sobre a mesa e fazendo pandã com a criança de voz de tamborete havia outra a miar. Se eu odiava crianças? Não. Eu adiava a gosma da tarde.

O vidro me espreitava com um sorriso sarcástico. Tomei jeito de sair. A consumição me adentrava as unhas. Crispei-as até gotas de sangue me avisarem: “Cuidado! Sangue da tarde tem poder!”

Apanhei-o. Vencida. E bebi dele. Dose suficiente. Não se pode matar criancinhas. Nem se pode puxar o tapete da tarde. Zonzeira e culpa. E a tarde soberana, gargalhando. Adormeci-a, e ela não sabe.

Rosely Maria Selaro

20.12.2011 – 15h03min

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