domingo, 15 de março de 2009

BODAS

BODAS

Dos cinco filhos de Dona Madalena e seu Camilo Ana é o arroz de festa, o pé de valsa. Dona de casa convicta, à moda antiga, roupa branca de doer nos olhos, toalhinhas com biquinhos de crochê nas prateleiras dos armários, mas a capacidade de organizar festas.... ah! Ana é imbatível. Perigo ela organizar festa até em velório. Rédia na criatura!

Mas, mas, mas, a efeméride estava muito próxima. Bodas de Ouro dos Pais – Da. Madalena e Seu Camilo. Por quanto tempo esperara para comemorar essa data.

Telefonou para os 4 irmãos, 5 com ela, e marcou reunião em casa da mãe. Avisada por último. Dia e hora aprazados todos estavam lá.

A sala era a mesma da infância, o sofá já roto agora coberto com uma manta, a pintura desbotada, as cortinas com remendos imperceptíveis e lembranças que todos tinham. Seu Camilo não era de brincar, haja vista a casa, corroída pelo o tempo. Pra que gastar dinheiro à toa.

Bem, todos a postos com um cafezinho e Ana, dona do cerimonial destampou. Seria assim, seria assado, tantos convidados, missa em tal igreja, papai vai assim, para mamãe fazemos um vestido com um pouquinho de dourado – afinal a data pede – o bufet, já com três orçamentos em mãos. E mosca não se ouvia.

Quando Aninha parou de falar já fatigada pelos 100m rasos que acabara de correr só fez perguntar a cada u m dos irmãos se estavam de acordo. Não houve resistência a nada. O pai consultado. Dentro de seu pijama tão velho quanto a sala fez um gesto de “de acordo” sem dizer palavra.

D. Madalena, ah! Da. Madalena, se eles soubessem... Era dela a palavra final.

Clara de pele, uns 75 anos, os cabelos brancos amarrados num coque na altura da nunca e um ar de quem vivera num sistema de defesa, absorvendo a sabedoria das menores coisas. Tinha a resposta no olhar. Houve um silêncio, codificado... Todos conheciam muito bem Da. Marcelina. Ou não?

E assim foi seu desfecho: “Vivo com o pai de vocês há 50 anos. Lavo, passo, criei vocês cinco, cozinho, mantenho tudo arrumado. Eu e seu pai dormimos em quartos separados há uns 20 anos, falamos um com o outro o necessário. Nunca viajamos, recebo a visita de vocês e sabia que esta data não passaria em branco.

Não haverá festa. Ana quis argumentar. Não pôde. Não suportou aquele olhar definitivo que conhecia desde menina.

João Pedro, muito arguto, no íntimo sabia qual seria a reação da mãe. Foi o primeiro a se levantar, beijou e abraçou carinhosamente a mãe, abraçou o pai (homem não beija homem) dizia sempre seu Camilo, alegou um compromisso para dali a meia hora e se foi. Cada um foi saindo e assim “não” se comemoraram as Bodas de Ouro de Da. Madalena e Seu Camilo.

Passados uns dois anos seu Camilo faleceu. As visitas à Da. Madalena eram de pesar e instigada por uma dessas pessoas que demonstram sofrer mais que o parente do morto, respondeu ela: “Não se preocupe comigo estou bem. Levanto a hora que quero, como a hora que quero, faço o que quero, não tenho reclamações, nem lamentações a fazer. É a vida. Parece que finalmente Da. Madalena adquirira asas.

Sou professora de técnicas de redação e levo às vezes algum tempo para explicar a meus alunos o que é “coerência”. Acho que a partir de agora não terei mais dificuldades.
Loly Reis 15.3.09

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