Casamento
Adélia Prado
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.
Saiba mais sobre Adélia Prado e sua obra em "Biografias".
A escolha deste poema de Adélia Prado é proposital, é um contraponto ao texto que escrevi abaixo.
Na análise deste poema vai aquela coisa dos casamentos que “duram por inércia”, homens porque são práticos e mulheres porque gostam de conforto, mas analisem comigo.
Assim mesmo diria qualquer mulher: “Levantar-me na madrugada para limpar peixe. Valha-me Deus!” Pois a personagem do poema não só se levanta como participa de cada etapa e é lindo quando ela diz “ O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo.”
Há aí, as entrelinhas do Poema. Já pensaram nas víceras dos animais, do cheiro, do cheiro impregnando nas mãos? Não, ela não vê nada. Aquele ainda é seu noivo, ela ainda é sua noiva.
“Por fim os peixes na travessa”, diz ela. “Vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.” Que metáfora maravilhosa para quem acabou de limpar peixe.
Daí o meu declarado amor por Adélia Prado. Essa CUMPLICIDADE que só os amores de verdade têm, me toca e me abala como bomba. Não havia cheiro, víceras, sono, havia amor.
Hoje parece que há muito pouca cumplicidade. O importante do casamento é a festa. A separação por certo já está prevista, depois de seis meses, no máximo.
Persegui essa CUMPLICIADE a vida toda! Mas vejo que ficou só para Adélia Prado em seu magnífico poema CASAMENTO.
Espero que tenham gostado, como eu.
Rose Selaro
“Escrever é Pensar”
30.9.09 - 15h39min
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
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Lindo poema. Desejo aprender muito na cumplicidade.
ResponderExcluirJanete
Achei muito bonito, e gostei muito !!
ResponderExcluirDe um jeito discreto a autora descreve "Casamento" revelando a intimidade, a cumplicidade regada com uma pitada de sensualidade. Lindo e gostoso o poema!
ResponderExcluirDe um jeito discreto a autora descreve "Casamento" revelando a intimidade, a cumplicidade regada com uma pitada de sensualidade. Lindo e gostoso o poema!
ResponderExcluirTambém adoro este poema! Sinto que vale a pena os 55 anos de convivência e 47 anos de casamento com meu primeiro namorado. Parabéns pela análise.
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